
Publicação: 14 de setembro de 2011
O processo de urbanização da leishmaniose visceral (LV) é uma das mais notáveis e intrigantes transformações epidemiológicas já registradas no Brasil. Em se tratando de um fenômeno gradual, a sua demarcação temporal não pode ser exata, mas já se vão trinta anos desde que as primeiras grandes epidemias urbanas de leishmaniose visceral foram registradas no país. A leishmaniose visceral, historicamente reconhecida como uma endemia rural, de ocorrência focal em paisagens denominadas de pé-de-serra e boqueirões, começa a invadir as grandes cidades brasileiras no início da década de 1980. Primeiramente são atingidas as cidades de Teresina/PI e São Luís/MA e a seguir a doença se dissemina para diferentes cidades do país como Santarém/PA, Natal/RN, Corumbá/MS, Montes Claros/MG, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/MS, Aracaju/SE, Feira de Santana/BA, Araçatuba/SP, Bauru/SP, Imperatriz/MA, Palmas/TO, Fortaleza/CE entre outras. Recentemente casos autóctones foram detectados pela primeira vez no Rio Grande do Sul.
O panorama epidemiológico não deixa dúvidas sobre a gravidade da situação e a franca expansão geográfica da LV. De 1980 a 2008, foram notificados mais de 70 mil casos de LV no país, levando mais de 3.800 pessoas à morte. O número médio de casos registrados anualmente cresceu de 1.601 (1985-1989) para cerca de 3.800 (2005-2008). Na década de 1990, apenas 10% dos casos do país ocorriam fora da Região Nordeste, mas desde 2007, esta cifra se estabilizou em torno dos 50% dos casos. Entre os anos de 2007 e 2010, a transmissão autóctone da LV foi registrada em mais de 1.300 municípios em 25 Unidades Federadas.
Os motivos que levaram à urbanização da LV são ainda pouco conhecidos, mas as transformações ambientais associadas a movimentos migratórios e à ocupação urbana não planejada, as condições precárias de saneamento e habitação nas periferias destas cidades e a desnutrição são alguns dos muitos fatores implicados neste fenômeno. O fato é que a introdução da LV nas grandes cidades configura uma realidade epidemiológica diversa daquela previamente conhecida, requerendo uma nova racionalidade para os sistemas de vigilância e de controle.
O Programa Nacional de Controle da LV no Brasil baseia sua estratégia em três medidas básicas, sendo que a primeira delas tem caráter eminentemente curativo: (1) detecção e tratamento de casos humanos, (2) controle dos reservatórios domésticos, e (3) controle de vetores. Entretanto, após anos de investimento, nota-se que estas medidas não lograram êxito em interromper o processo de expansão geográfica da LV no país. São muitas as possíveis explicações específicas para o relativo fracasso destas ações, mas a base é uma só: não se detém hoje ferramentas reconhecidamente efetivas para eliminar a LV como problemas de Saúde Pública, particularmente em regiões como o Brasil, onde a ciclo de transmissão é pelo menos majoritariamente zoonótico.
São muitos os desafios que a introdução, disseminação e manutenção da LV em meio urbano traz para a comunidade científica e de profissionais de saúde. Há ainda imensas lacunas no conhecimento sobre a LV. O desenvolvimento de novas drogas, regimes terapêuticos e protocolos de manejo clínico, assim como a produção e validação de novos testes diagnósticos devem ser priorizados. Estudos de efetividade das ações de controle devem ser sustentados em bases metodológicas sólidas e pesquisas para solucionar os entraves operacionais na implementação das ações de prevenção devem ser estimuladas. Investigações que levem a vacinas efetivas para proteger o indivíduo e diminuir a transmissão também devem ser fomentadas. Entretanto, mais do que a produção científica em si, é necessário um compromisso social de todos para evitar que a LV se estabeleça definitivamente como mais uma mazela sanitária do cotidiano urbano brasileiro.
Autor: Guilherme Loureiro Werneck
Médico, Doutor em Saúde Pública Tropical pela Harvard University
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro…
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