
Publicação: 21 de dezembro de 2017
A Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), com o intuito de orientar seus associados e a comunidade médica em geral, recomenda a Nota Técnica conjunta abaixo:
A Dengue é a arbovirose de maior impacto em saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) houve um aumento de casos notificados na década de 1996-2005, de 0,4 para 1,3 milhões, atingindo 2,2 milhões em 2010 e 3,2 milhões de casos em 2015. Estima-se que ocorram anualmente no mundo cerca de 50 a 100 milhões de casos sintomáticos, 3,2 milhões de casos graves e 9 mil mortes, a maioria ocorrendo em países em desenvolvimento1.
Em dezembro de 2015 a primeira vacina dengue (Dengvaxia® – Laboratório Sanofi Pasteur) foi licenciada no Brasil e outras agências regulatórias de vários países da Ásia e América Latina também aprovaram seu uso. Até o momento a vacina está licenciada em 19 países2.
Trata-se de uma vacina de vírus vivos atenuados, recombinante, quimérica, que utiliza como estrutura básica o vírus vacinal da febre amarela (cepa 17D) com substituição dos genes responsáveis pela codificação das proteínas de pré-membrana (prM) e do envelope (E) por aqueles de cada um dos quatro sorotipos dos vírus dengue nesta matriz3.
Os perfis de segurança e eficácia para os quatro sorotipos foram demonstrados em vários ensaios clínicos, especialmente os de fase 3, na Ásia e América Latina (CYD 14 e 15, respectivamente), que envolveram mais de 30.000 crianças e adolescentes de 2 a 16 anos de idade4,5,6.
Como qualquer nova vacina algumas questões-chave como: efetividade, duração de proteção induzida pela vacina, necessidade de doses de reforço, possibilidade de proteção indireta, eventos adversos raros, segurança em longo prazo e análise de custo efetividade precisam ser melhores compreendidos através de estudos de seguimento (fase tardia) e pós-licenciamento (fase 4).
A dengue tem uma complexidade de fatores que são determinantes na avaliação da eficácia e segurança de vacinas candidatas contra a doença: epidemiológicos, distribuição de sorotipos, soroprevalência na população, diferentes eficácias por sorotipos e eventual possibilidade de indução de formas mais graves da doença após a vacinação de indivíduos não expostos previamente (naïve) – exacerbação da doença dependente de anticorpos – ADE do inglês “antibody-dependent-enhancement” – quando esses forem infectados posteriormente pelo vírus da dengue7.
A OMS, em seu position paper de 2016, preconiza que o uso da vacina dengue, hoje disponível, deva ser considerado somente em regiões de alta endemicidade da doença, sendo que o melhor benefício da imunização ocorrerá em localidades onde a soroprevalência para dengue, nos grupos etários alvo da vacinação, seja superior a 70%. Em locais com taxas entre 50 e 70% seu uso pode ser aceitável, embora o impacto do programa possa ser menor. A utilização da vacina em populações com soroprevalência inferior a 50% não é recomendada8.
Essa orientação, baseada em critérios de soroprevalência, é feita em função do diferente desempenho da vacina em soronegativos (naïve para dengue) comparada com soropositivos (previamente expostos à dengue) no momento da vacinação, e o potencial risco em longo prazo de dengue grave nesses indivíduos8.
No estudo CYD 14, envolvendo 10.275 crianças e adolescentes de 2 a 14 anos de idade na Ásia (Indonésia, Malásia, Tailândia, Filipinas e Vietnã), durante o terceiro ano de acompanhamento, observou-se um maior risco de hospitalização por dengue no grupo de crianças de 2 a 5 anos de idade que receberam a vacina Dengvaxia® em comparação ao grupo controle9.
Não se conhecia, até então, se este risco aumentado no grupo de crianças de 2 a 5 anos estava relacionado à faixa etária, ao status sorológico ou ambos os fatores. A hipótese mais plausível sugeria que a vacinação induziria um prime no sistema imune similar ao induzido após uma primo-infecção pelo vírus da dengue, oferecendo uma proteção de curto período após a vacina, que seria seguida de uma perda de imunidade protetora com o tempo. Ainda de acordo com esta hipótese, entre os soronegativos vacinados, a resposta à primeira infecção natural após a vacinação (quando já estivesse na fase de perda de imunidade protetora) desempenharia um papel igual ao observado em uma segunda infecção, propiciando desta forma um maior risco de indução de formas graves da doença. Já na vacinação de soropositivos, quando ocorresse a primeira infecção após a vacinação, a resposta seria similar àquela observada em infecções pós-secundárias (ou seja, na terceira e quarta infecções), quando praticamente não há maior risco de formas graves da doença.
Recentemente foram apresentados dados de uma avaliação complementar, feita pelo próprio laboratório Sanofi Pasteur, que permitiu distinguir os resultados de segurança e de eficácia da vacina de acordo com o status sorológico prévio à vacinação num grupo maior de indivíduos, através de avaliação sorológica, por novo método laboratorial, feita ao término do esquema vacinal (um mês após a terceira dose da vacina). Nessa reanálise dos dados, em indivíduos de todos os grupos etários, soronegativos, vacinados com a vacina Dengvaxia®, observou-se um maior risco de hospitalização por dengue e dengue clinicamente grave ou com sinais de alarme, quando comparado aos participantes do grupo controle10.
Essa avaliação, ainda que preliminar, sugere que aproximadamente 5 casos adicionais de hospitalização e 2 casos adicionais de dengue grave (segundo critérios da OMS – 1997) ocorram para cada mil crianças e adolescentes de 2 a 16 anos de idade soronegativos vacinados, em um segmento de 5 anos, quando comparadas ao risco em não vacinados10.
Essa mesma avaliação projeta o benefício e a segurança da vacinação de indivíduos previamente expostos (soropositivos), onde estima-se uma redução de 15 casos de hospitalização e 4 casos de dengue grave para cada mil vacinados durante o mesmo período de seguimento10.
Os dados reportados motivaram a Agência de Vigilância Sanitária do Brasil (Anvisa) a revisar a bula do produto, incluindo, em precauções, a recomendação da não utilização da vacina em indivíduos soronegativos11.
As Filipinas, país que introduziu a vacinação em seu sistema público em três regiões desde 2016, suspendeu temporariamente seu programa de imunização. No Brasil, o Estado do Paraná, que incorporou a vacina em 2016, em 30 municípios com alta incidência da doença, no momento, não fará alterações em seu programa de vacinação.
As Sociedades Brasileiras de Imunizações (SBIm), Pediatria (SBP), Infectologia (SBI) e Medicina Tropical (SBMT) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), em conjunto, e com o intuito de orientar seus associados e a comunidade médica em geral, recomendam:
Essas recomendações estão alinhadas com a recente publicação feita pelo Comitê Consultivo Global da OMS sobre Segurança de Vacina (GACVS da sigla em inglês – Global Advisory Committee on Vacine Safety) sobre Dengvaxia®12.
Referências:
1) Dengue: datos, mapas y estadísticas. Organización Panamericana de la Salud. Disponível em: http://www.paho.org/hq/index.php?option=com_topics&view=readall&cid=3274&Itemid=40734&lang=es Acesso em 19/12/2017.
2) Updated Questions and Answers related to information presented in the Sanofi Pasteur press release on 30 November 2017 with regards to the dengue vaccine Dengvaxia®. World Health Organization (WHO) 30th November 2017. Disponível em: http://www.who.int/immunization/diseases/dengue/q_and_a_dengue_vaccine_dengvaxia/en/ Acesso em 12/12/2017.
3) Sabchareon A et al. Protective efficacy of the recombinant, live-attenuated, CYD tetravalent dengue vaccine in Thai school children: a randomised, controlled phase 2b trial. Lancet. 2012; 380: 1559–1567.
4) Capeding MR et al. Clinical efficacy and safety of a novel tetravalent dengue vaccine in healthy children in Asia: a phase 3, randomised, observer-masked, placebo-controlled trial. Lancet. 2014 Oct 11;384(9951):1358–1365.
5) Villar et al. Efficacy of a Tetravalent Dengue Vaccine in Children in Latin America. N Engl J Med. 2015 Jan 8;372(2):113-23.
6) Hadinegoro et al. Efficacy and Long-Term Safety of a Dengue Vaccine in Regions of Endemic Disease N Engl J Med. 2015 Sep 24;373(13):1195-206.
7) Halsted SB. Dengue antibody-depenedent enhancement: knows and unknows. Microbiol Spectr. 2014 Dec;2(6).
GACVS statement on Dengvavia® (CYD-TDV). December 7, 2017. Disponível em: http://www.who.int/vaccine_safety/committee/GACVS-StatementonDengvaxia-CYD-TDV/en/ Acesso em 17/07/2017.…
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