
Publicação: 9 de março de 2022
Esse vetor já se tornou uma questão global e pode se espalhar para a Europa e as Américas, além da África
Provavelmente o An. Stephensi já tenha se espalhado além do nosso conhecimento atual, diz pesquisador
Em 2012, um surto incomum de malária urbana foi relatado na cidade de Djibuti (capital e maior cidade da República do Djibouti, país localizado na África Oriental), e desde então surtos cada vez mais graves têm sido relatados anualmente devido a um mosquito asiático chamado Anopheles stephensi, espécie conhecida por se proliferar em ambientes urbanos. Agora, o principal vetor da malária na Índia se tornou abundantemente presente em vários locais da África. Além da resistência a inseticidas, o An. stephensi é uma ameaça urgente e perigosa ao progresso recente no controle da malária. Em comparação com os mosquitos africanos endêmicos, o An. stephensi é uma das poucas espécies de anofelinos encontradas em locais urbanos.
Um artigo publicado recentemente na revista Parasites & Vectors BMC intitulado “Emergence of the invasive malaria vector Anopheles stephensi in Khartoum State, Central Sudan” confirma a expansão geográfica do An. stephensi. O Dr. Bashir Salim, um dos autores, lembra que este foi o primeiro relatório em periódico revisado por pares sobre o surgimento deste vetor invasivo da malária asiática. “O An. stephensi no Sudão é muito alarmante. A emergência e a disseminação deste eficiente vetor representam uma ameaça para a saúde mundial, particularmente nos países subsaarianos onde o fardo da malária é maior e a maioria (mais de 95%) dos casos e mortes relacionadas são relatados”, ressalta.
Segundo o pesquisador, o An. stephensi já se tornou uma questão global, pois, além de sua rápida disseminação na África, ele também surgiu no Sri Lanka em 2017, um ano após o país ter recebido a certificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016, como livre de malária. Isso sugere que o vetor também pode se espalhar para a Europa e as Américas se medidas eficazes não forem tomadas. O Dr. Salim assinala que os países invadidos, seus vizinhos e aqueles em risco precisam fortalecer o controle, a vigilância e permanecer atentos ao surgimento de vetores de doenças invasivas e impor a implementação do Regulamento Sanitário Internacional.
“ A menos que medidas muito drásticas sejam tomadas, a disseminação do An. stephensi na África é inevitável. É muito provável que ele já tenha se espalhado além do nosso conhecimento atual”, alerta o Dr. Salim. As medidas incluem a melhoria da capacidade dos sistemas de vigilância de vetores e a incorporação de ferramentas moleculares e de sequenciamento avançadas para monitorar e rastrear a sua disseminação, algo similar ao Programa Europeu de monitoramento e controle de vetores de doenças invasivas. Além disso, a comunidade global de saúde deve investir mais em pesquisa operacional para gerar conhecimento atualizado sobre a bionomia e a suscetibilidade desses vetores aos inseticidas usados na região.
Para se ter uma ideia, em Dijibuti, as infecções aumentaram 2.800 vezes entre 2012 e 2020. Cerca de 60 mil pessoas de uma população de 800 mil contraíram a doença em 2020. Em 2021 houve uma queda após uma forte campanha do governo para pulverizar áreas com a prevalência do mosquito. Infelizmente o aumento de número de casos de malária relacionados ao An. Stephensi é inegável. “A menos que ações efetivas sejam tomadas imediatamente nos países afetados e naqueles em risco, uma situação terrível, especialmente epidemias significativas de malária em áreas densamente povoadas, é inevitável”, lamenta. E será que o aumento de casos de malária em locais populosos do continente africano pode levar ao surgimento de supermosquitos? De acordo com o Dr. Salim, é o contrário. O aumento incomum e inesperado de casos de malária é forte indicador epidemiológico de mudança na composição do vetor (emergência de vetores invasores competentes) ou desenvolvimento de resistência a inseticidas entre os vetores endêmicos.
Além disso, esses vetores representam risco ao espalhar parasitas locais da malária. “A habilidade do An. stephensi para transmitir Plasmodium falciparum e P. vivax foi confirmada em investigações laboratoriais e de campo, portanto, a sua disseminação em determinada área vai alterar a epidemiologia da malária e isso significa uma grande ameaça para o programa de controle da doença”, atenta o pesquisador.
Fatores que influenciam a disseminação do An. Stephensi na África
O Dr. Salim explica que existem vários fatores de risco e no topo está a alta adaptabilidade e aclimatação a novos ambientes e variabilidade climática. O segundo são as mudanças climáticas que aumentam a adequação do meio ambiente. Em terceiro lugar está a urbanização não planejada na África, onde as pessoas vivem em ambientes densamente povoados sem abastecimento de água potável, forçando-os a armazenar em recipientes artificiais, que são os locais de reprodução preferidos do An. Stephensi. Além disso, a presença de animais ao redor, o que aumenta a capacidade de sobrevivência e o crescimento populacional fornecendo fontes sustentáveis de alimentação sanguínea, que são essenciais para a maturação dos ovos no organismo das fêmeas.
O pesquisador cita ainda a resistência biológica e comportamental do vetor aos inseticidas usados na região e os sistemas locais de vigilância e controle de vetores na África, os quais têm capacidade reduzida em termos de apoio financeiro, mão de obra tecnicamente qualificada e ferramentas moleculares e de sequenciamento avançadas para monitorar as mudanças na composição vetorial e sua distribuição. “Ou seja, os sistemas de vigilância e controle de vetores na África não estão equipados para detectar, relatar e controlar o An. stephensi em tempo hábil, como evidenciado pelo fato de que todos os relatos iniciais sobre a presença de An. stephensi em Djibuti em 2012, na Etiópia em 2016, e no Sudão em 2019 e 2021 foram acidentais”, destaca.
Em relação à redução de danos ao meio ambiente e à biodiversidade, o Dr. Salim sugere que as partes interessadas na saúde, como os ministérios regionais da saúde, seus parceiros, como a OMS e os Fundos Globais apoiem a implementação de intervenções de controle de vetores de base não-inseticidas e amigas do meio ambiente. Isso também pode ajudar a reduzir a carga econômica sobre os países endêmicos e impedir a comercialização da saúde global, dependente da indústria de inseticidas. O pesquisador diz ainda que é preciso atenção especial nos pontos de entrada internacionais, como pontos de passagem de fronteiras terrestres, aeroportos e portos marítimos, pois são as rotas para a introdução desse vetor vindo de áreas endêmicas, atualmente invadidas, para áreas livres atualmente.
Seis grandes desafios do An. stephensi
– É um vetor competente tanto para Plasmodium falciparum quanto para P. Vivax;
– É resistente às ferramentas locais de controle vetorial na África;
– Rápida capacidade de disseminar e expandir sua distribuição geográfica, além de se adaptar a novos ambientes rapidamente;
– Informações limitadas sobre sua bionomia na África, o que dificulta a capacidade dos sistemas locais de vigilância e controle vetorial em encontrar, identificar e controlar;
– Prefere se alimentar de animais que comumente não são alvo das intervenções de saúde pública em controle vetorial;
– Preferência por se reproduzir em água armazenada em recipientes de água artificiais, o que significa que a estação de transmissão da malária será expandida dos 3-5 meses da estação chuvosa para todo o ano.
Por fim, o Dr. Salim enfatiza que em vez de considerar isso como uma oportunidade para os institutos de países em desenvolvimento realizarem pesquisas, eles deveriam encarar como uma ameaça. “Gostaríamos de conclamar toda a comunidade global de saúde a colaborar e apoiar a eliminação deste vetor invasivo das áreas atualmente invadidas, bem como para evitar uma maior disseminação. Governos, doadores e, sobretudo a comunidade em risco devem colaborar coletivamente nesta questão urgente”, conclui.
Além de Djibouti, o An. stephensi já foi detectado na Etiópia, em Darfur e no Sudão. Os cientistas também acreditam que ele já pode ter se espalhado pelas rotas comerciais da África Oriental para o Sudão do Sul, Uganda e norte do Quênia. Esse não é o primeiro vetor da malária a invadir um novo continente, há exemplos anteriores que já foram regionais e estão se tornando globais, como o tigre asiático, que tem invadido o norte da Europa.
Aproximadamente 126 milhões de pessoas em perigo na África
Estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford e Escola de Medicina Tropical de Liverpool intitulado “A new malaria vector in Africa: Predicting the expansion range of Anopheles stephensi and identifying the urban populations at risk” estima que cerca de 126 milhões de pessoas em cidades da África podem estar em perigo.
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